quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Projetos


GESTAR II - Avaliação: Pontos positivos, dificuldades e possíveis soluções.

→ PONTOS POSITIVOS:
• Os alunos se divertiram;
• Souberam trabalhar em grupo;
• Entenderam a importância da leitura;
• Sentiram-se motivados em realizar as atividades;
• Tiveram realmente a intenção de aprender;
• Criatividade;
• Expressão Oral;
• A interdisciplinaridade.




→ DIFICULDADES:
• Pontuação;
• Acentuação;
• Ortografia;
• Concordância verbal;
• Estrutura do texto.



→ POSSÍVEIS SOLUÇÕES:
• Levar sempre que possível atividades diferenciadas para motivar os alunos.
• Incentivar a leitura contando histórias de modo que desperte o interesse pelo livro. Sugestão: através de slides, fotos, vídeo.
• Levar os alunos para uma leitura on-line na sala informatizada.
• Organizar um texto em conjunto para que percebam as discordâncias.
• Levar para a sala de aula um texto desordenado para que os alunos em grupo coloquem em ordem.
• Levar um texto sem pontuação para completá-lo em conjunto.
• Para uma revisão dos textos mais proveitosa ressaltar um aspecto de cada vez, para não confundir os alunos.
• Buscar diferentes formas de corrigir as produções, como por exemplo: individualmente, reler o próprio texto em busca de aspectos problemáticos a serem aperfeiçoados; em duplas ou coletivamente, pois exercita o poder de argumentação.
• Conscientizar de que rever o texto não deve ser a etapa final, pois o ideal é escrever, reler e modificar durante o processo.

A menina que roubava livros - Markus Zusak


A Alemanha nazista.
Uma menina com um irmão morto.
Um livro preto com letras prateadas.
Neve.
Dois pais de criação.
A mulher com punhos de ferro.
O enrolador de cigarros.
Um judeu escondido no porão.
Palavras...
...e bombas.
• Eis um pequeno fato •
Você vai morrer.
A pergunta é: Qual será a cor de tudo nesse momento em que eu chegar para buscar você? Que dirá o céu?

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

LER DEVIA SER PROIBIDO

Por Guiomar de Grammon

A pensar fundo na questão, eu diria que ler devia ser proibido.

Afinal de contas, ler faz muito mal às pessoas: acorda os homens para realidades impossíveis, tornando-os incapazes de suportar o mundo insosso e ordinário em que vivem. A leitura induz à loucura, desloca o homem do humilde lugar que lhe fora destinado no corpo social. Não me deixam mentir os exemplos de Don Quixote e Madame Bovary. O primeiro, coitado, de tanto ler aventuras de cavalheiros que jamais existiram meteu-se pelo mundo afora, a crer-se capaz de reformar o mundo, quilha de ossos que mal sustinha a si e ao pobre Rocinante. Quanto à pobre Emma Bovary, tomou-se esposa inútil para fofocas e bordados, perdendo-se em delírios sobre bailes e amores cortesãos.

Ler realmente não faz bem. A criança que lê pode se tornar um adulto perigoso, inconformado com os problemas do mundo, induzido a crer que tudo pode ser de outra forma. Afinal de contas, a leitura desenvolve um poder incontrolável. Liberta o homem excessivamente. Sem a leitura, ele morreria feliz, ignorante dos grilhões que o encerram. Sem a leitura, ainda, estaria mais afeito à realidade quotidiana, se dedicaria ao trabalho com afinco, sem procurar enriquecê-la com cabriolas da imaginação.

Sem ler, o homem jamais saberia a extensão do prazer. Não experimentaria nunca o sumo Bem de Aristóteles: o conhecer. Mas para que conhecer se, na maior parte dos casos, o que necessita é apenas executar ordens? Se o que deve, enfim, é fazer o que dele esperam e nada mais?

Ler pode provocar o inesperado. Pode fazer com que o homem crie atalhos para caminhos que devem, necessariamente, ser longos. Ler pode gerar a invenção. Pode estimular a imaginação de forma a levar o ser humano além do que lhe é devido.

Além disso, os livros estimulam o sonho, a imaginação, a fantasia. Nos transportam a paraísos misteriosos, nos fazem enxergar unicórnios azuis e palácios de cristal. Nos fazem acreditar que a vida é mais do que um punhado de pó em movimento. Que há algo a descobrir. Há horizontes para além das montanhas, há estrelas por trás das nuvens. Estrelas jamais percebidas. É preciso desconfiar desse pendor para o absurdo que nos impede de aceitar nossas realidades cruas.

Não, não dêem mais livros às escolas. Pais, não leiam para os seus filhos, pode levá-los a desenvolver esse gosto pela aventura e pela descoberta que fez do homem um animal diferente. Antes estivesse ainda a passear de quatro patas, sem noção de progresso e civilização, mas tampouco sem conhecer guerras, destruição, violência. Professores, não contem histórias, pode estimular uma curiosidade indesejável em seres que a vida destinou para a repetição e para o trabalho duro.

Ler pode ser um problema, pode gerar seres humanos conscientes demais dos seus direitos políticos em um mundo administrado, onde ser livre não passa de uma ficção sem nenhuma verossimilhança. Seria impossível controlar e organizar a sociedade se todos os seres humanos soubessem o que desejam. Se todos se pusessem a articular bem suas demandas, a fincar sua posição no mundo, a fazer dos discursos os instrumentos de conquista de sua liberdade.

O mundo já vai por um bom caminho. Cada vez mais as pessoas lêem por razões utilitárias: para compreender formulários, contratos, bulas de remédio, projetos, manuais etc. Observem as filas, um dos pequenos cancros da civilização contemporânea. Bastaria um livro para que todos se vissem magicamente transportados para outras dimensões, menos incômodas. E esse o tapete mágico, o pó de pirlimpimpim, a máquina do tempo. Para o homem que lê, não há fronteiras, não há cortes, prisões tampouco. O que é mais subversivo do que a leitura?

É preciso compreender que ler para se enriquecer culturalmente ou para se divertir deve ser um privilégio concedido apenas a alguns, jamais àqueles que desenvolvem trabalhos práticos ou manuais. Seja em filas, em metrôs, ou no silêncio da alcova... Ler deve ser coisa rara, não para qualquer um.

Afinal de contas, a leitura é um poder, e o poder é para poucos.

Para obedecer não é preciso enxergar, o silêncio é a linguagem da submissão. Para executar ordens, a palavra é inútil.

Além disso, a leitura promove a comunicação de dores, alegrias, tantos outros sentimentos... A leitura é obscena. Expõe o íntimo, torna coletivo o individual e público, o secreto, o próprio. A leitura ameaça os indivíduos, porque os faz identificar sua história a outras histórias. Torna-os capazes de compreender e aceitar o mundo do Outro. Sim, a leitura devia ser proibida.

Ler pode tornar o homem perigosamente humano.

Minhas férias pula uma linha, parágrafo.

Christiane Gribe
Um
O primeiro dia de aula é o dia que eu mais gosto em segundo lugar. O que eu mais gosto em primeiro é o último, porque no dia seguinte chegam as férias. Os dois são os melhores dias na escola porque a gente nem tem aula. No primeiro dia não dá para ter aula porque o nosso corpo está na escola, mas a nossa cabeça ainda está de férias. E no último, também não dá para ter aula porque o nosso corpo está na escola, mas a nossa cabeça já está nas férias. Era o primeiro dia e era para ser a aula de português, mas não era porque todo mundo estava contando das férias. E como todo mundo queria contar mais do que ouvir, o barulho na classe estava mesmo ensurdecedor. O que explica o fato de ninguém ter escutado a professora gritando para a gente parar de gritar. Todo mundo estava bem surdo mesmo. Mas quando ela bateu com os livros em cima da mesa a nossa surdez passou e todo mundo olhou para ela. Ela estava em pé, na frente do quadro-negro e ficou em silêncio, com uma cara bem brava, olhando para a gente. Quando um professor está em silêncio com uma cara bem brava olhando para você, é melhor também ficar em silêncio com uma cara de sem graça olhando para um ponto qualquer que não seja a cara brava do professor. A professora puxou a cadeira dela e se sentou. Atrás dela, no quadro-negro, eu vi decretado o fim das nossas férias e o fim do nosso primeiro dia de aula sem aula. Estava escrito: Redação: escrever trinta linhas sobre as férias. Eu sabia que as férias de ninguém iam ser mais as mesmas na hora que virassem redação. É simples: férias é legal, redação é chato. Quando a gente transforma as nossas férias numa redação, elas não são mais as nossas férias, são a nossa redação. Perdem toda a graça. Todo mundo tirou o caderno de dentro da mochila. Menos eu. Eu fiquei olhando para aquela frase no quadro enquanto os zíperes e velcros das mochilas eram os únicos barulhos na sala. De repente as nossas férias ficaram silenciosas. Onde já se viu férias sem barulho? Além do mais, eu tenho certeza de que a professora nem quer saber de verdade como foram as nossas férias. Ela quer só saber como é a nossa letra e se a gente tem jeito para escrever redação. Aqueles dois meses inteirinhos de despreocupações estavam prestes a virar trinta linhas de preocupações com acentos, vírgulas, parágrafos e ainda por cima com a letra ilegível depois de tanto tempo sem treino.
Dois
A turma inteira já estava escrevendo quando eu percebi que a professora estava só olhando para mim. Quando um professor fica parado só olhando para você é porque você tinha estar fazendo outra coisa que não era o que você estava fazendo. A outra coisa que eu tinha que estar fazendo era minha redação. Então eu puxei a minha mochila e peguei o caderno. É claro que minha mochila tem o fecho de velcro e que todo mundo olhou para mim quando eu abri. Só a professora que não olhou de novo porque ela já estava olhando antes mesmo.
Peguei a caneta. Eu nem sabia mais segurar direito a caneta. Escrevi: Minhas Férias
Mas a letra ficou péssima e eu resolvi arrancar a folha para começar bem o meu caderno. E todo mundo olhou de novo para mim, até a professora que já tinha parado de me olhar. Troquei a caneta por um lápis, porque se a letra ficasse horrível era só apagar em vez de ter que arrancar outra folha. Coloquei as minhas férias lá no alto e bem no meio da página. Pulei uma linha. Parágrafo.
Minhas férias
Outro problema de transformar as nossas férias em redação é fazer os dois meses caberem nas tais trinta linhas. Porque se a gente fosse contar mesmo tudo o que aconteceu, as trinta linhas iam servir só para um dia de férias e olhe lá. E aí você olha para o seu relógio e descobre que as trinta linhas, que pareciam poucas para contar todas as suas férias, viram muitas porque você só tem mais 15 minutos de aula para fazer a redação. Começar as férias é a coisa mais fácil do mundo. Em compensação, começar redação sobre as férias é tão difícil quanto começar as aulas. Fiquei me lembrando como é que eu tinha começado as minhas férias de verdade. Assim eu podia começar a redação do mesmo jeito. Mas eu comecei as minhas férias de verdade arrumando a mala para ir para a casa do meu avô. E agora só faltavam 12 minutos para terminar a aula. Em 12 minutos eu não ia conseguir arrumar a mala. Pelo menos não do jeito que a minha mãe gosta que eu arrume. Então decidi começar as férias de minha redação direto da casa do meu avô.
Minhas férias
Eu sempre adoro as minhas férias na casa do meu avô. Principalmente porque não tem aula. Não. Talvez seja um começo de redação muito pesado para o começo das aulas.
Minhas férias
Eu sempre adoro as minhas férias na casa do meu avô. Lá tem um campinho de futebol bem legal e uma turma de amigos bem grande. Isso é perfeito porque um campinho sem uma turma grande não serve para nada. E uma turma grande sem campinho não cabe em lugar nenhum que não seja um campinho. A gente passa o dia todo jogando futebol e só para de jogar quando já está escuro e não dá mais para ver a bola. Então já é hora de jantar. Depois do jantar, os meus melhores amigos da turma vão para a casa do meu avô e a gente pode continuar jogando, só que futebol de botão que não dá indigestão. Aí, a gente pode jogar até tarde porque no dia seguinte não tem aula. É por isso que férias é bom. Achei que desse jeito a minha observação a respeito das aulas ficava mais sutil. Continuei. Teve um dia que eu fiz um golaço. Não no futebol de botão, no de verdade. O gol veio de um passe de craque do Paulinho que é o meu melhor amigo entre os meus melhores amigos da turma. Você sabe que para jogar futebol não adianta só ser bom de bola. Tem que ter tatica. O Paulinho driblou um, dois e eu vi que ele ia passar pelo terceiro. Ele também me viu. Aí eu me enfiei pela esquerda e recebi a bola. Chutei direto. Eu fiz um golaço tão grande que furou a rede e estilhaçou em mil pedaços a janela do vizinho. Deu a maior confusão porque enquanto a turma pulava o vizinho apareceu bravo com abola em baixo do braço e a mulher dele veio atrás. Eu tive até que parar com a minha comemorassão. Mas a mulher do vizinho que veio atrás dele falou para ele que criança é assim mesmo e que a gente estava só se divertindo e que ninguém fez aquilo de propósito. E era verdade mesmo porque a culpa nossa da rede ter furado. E aí acabou ficando tudo bem. O meu vizinho devolveu a bola, verificou a rede e disse que o meu gol foi mesmo um golaço mas que era para a gente tomar mais cuidado com as janelas da casa do lado. O sinal tocou bem nessa hora. Eu nem contei quantas linhas eu tinha escrito porque não ia dar tempo de mudar nada mesmo. Arranquei a folha e dei as minhas férias para a professora.
Três
Depois da aula de português vinha aula dupla de educação física. A maior sorte que se pode ter num primeiro dia de aula é ter aula dupla de educação física. Dá até para ficar contente de ter voltado para a escola. E dá até para acreditar quando a nossa mãe fala que essa é a melhor época de nossa vida, quando ela faz aquele discurso que toda mãe faz. Discurso: “Aproveita, meu filho. Essa é a melhor época da sua vida. Ir para a escola é uma delícia. Quando você crescer vai se lembrar da escola e sentir uma saudade danada.” Minha mãe diz que é para aproveitar a escola porque depois que a gente cresce a gente fica cheio de problemas para resolver. Aí é que está. Eu ainda nem cresci e já estou cheio de problemas. Só no ano passado eu tive quer resolver 187. E não foi nem para mim. Foi para o professor de matemática.
Quatro
A semana passou bem rápido e quando a gente viu já era sexta-feira. Ter chegado a sexta-feira era ótimo. Agora só faltavam mais dezenove semanas para as próximas férias. A única coisa ruim é que na sexta eu tinha aula dupla de português e a professora ia trazer as nossas redações de volta. Quando a professora entrou na sala eu tinha acabado de puxar o elástico do sutiã da Mariana Guedes. Agora a moda das meninas era usar sutiã por baixo da camiseta. E a nossa moda era puxar o elástico para o sutiã estalar bem nas costas delas. Eu corri e a Mariana Guedes me jogou uma borracha bem na cara. Mas a professora foi olhar para a gente só na hora que eu joguei a borracha de volta. E aquela Mariana Guedes ainda abaixou e a borracha passou bem perto dos óculos da professora. A professora ficou me olhando de novo, igual no dia da redação, e então eu me sentei esperando uma daquelas broncas humilhantes no meio da classe. Mas a professora não falou nada. Quando você apronta uma dessas e o professor não fala nada, não é porque o professor é um cara bem legal. É que o que vem pela frente é pior do que o pior que você imaginava. O pior foi colocado bem em cima da minha mesa. As minhas férias, que tinham sido perfeitas para mim, não chegaram nem perto de terem sido boas para a professora. Elas voltaram cheias de defeitos. Faltou um esse no passe de craque do Paulinho, um acento na minha tática e a minha comemoração eu escrevi com tanta empolgação que acabou saindo com dois esses em vez de cê-cedilha. E o pior do que eu imaginava foi o que ela fez com o meu golaço que estilhaçou em mil pedaços a janela do vizinho. Ela disse que “em mil pedaços” é um adjunto adverbial e que tinha que ficar entre vírgulas. Eu olhei na Gramática e lá estava explicado que um adjunto adverbial é um termo acessório e a gente pode eliminar aquela parte da frase que ela continua a fazer sentido. Eu queria ver a professora dizendo para o meu vizinho que aqueles mil pedacinhos da janela dele eram só um adjunto adverbial. E tem mais uma coisa: eu estava de férias. Era muito mais importante marcar o gol do que as vírgulas, concorda? E as minhas férias ficaram assim:

Minhas férias
Eu sempre adoro as minhas férias na casa do meu avô. Lá tem um campinho de futebol bem legal e uma turma de amigos bem grande. Isso é perfeito porque um campinho sem uma turma grande não serve para nada. E uma turma grande sem campinho não cabe em lugar nenhum que não seja um campinho. A gente passa o dia todo jogando futebol e só para de jogar quando já está escuro e não dá mais para ver a bola. Então já é hora de jantar. Depois do jantar, os meus melhores amigos da turma vão para a casa do meu avô e a gente pode continuar jogando, só que futebol de botão que não dá indigestão. Aí, a gente pode jogar até tarde porque no dia seguinte não tem aula. É por isso que férias é bom. Teve um dia que eu fiz um golaço. Não no futebol de botão, no de verdade. O gol veio de um passe de craque do Paulinho que é o meu melhor amigo (entre os meus melhores amigos) da turma. Você sabe que para jogar futebol não adianta só ser bom de bola. Tem que ter tatica. O Paulinho driblou um, dois e eu vi que ele ia passar pelo terceiro. Ele também me viu. Aí eu me enfiei pela esquerda e recebi a bola. Chutei direto. Eu fiz um golaço tão grande que furou a rede e estilhaçou, em mil pedaços, a janela do viznho. Deu a maior confusão porque enquanto a turma pulava o vizinho apareceu bravo com abola em baixo do braço e a mulher dele veio atrás. Eu tive até que parar com a minha comemorassão. Mas a mulher do vizinho que veio atrás dele falou (para ele) que criança é assim mesmo e que a gente estava só se divertindo e que ninguém fez aquilo de propósito. E era verdade mesmo porque a culpa não foi nossa da rede ter furado. E aí acabou ficando tudo bem. O meu vizinho devolveu a bola, verificou a rede e disse que o meu gol foi mesmo um golaço, mas que era para a gente tomar mais cuidado com as janelas da casa do lado.
(No texto original a redação do garoto vem toda riscada com as observações da professora)
A professora não fez nenhum outro comentário sobre o que eu tinha escrito. Para ela tanto fazia se o meu gol tinha sido um golaço ou um frango do goleiro. Eu fiquei bem chateado. Ela tinha acabado com as minhas férias. Isso significava que era a terceira vez que as minhas férias acabavam numa semana só. Não podia existir nada pior do que isso na vida de um garoto de 11 anos. Mas existia.
Cinco
No final da aula a professora me chamou na mesa dela. Eu tinha que fazer de lição para segunda-feira a análise sintática da frase: “Eu fiz um golaço tão grande que até furou a rede e estilhaçou, em mil pedaços, a janela do vizinho”. Era o fim. As minhas férias já tinham virado redação e agora acabavam de virar lição de casa. E uma lição dificílima. Fazer análise sintática! Eu nem lembrava mais o que era isso. Do jeito que as coisas vão, quando chegarem as minhas próximas férias eu não vou saber se é para ficar feliz ou triste. Eu vou falar “ah, não, férias me lembram redação e lição de casa” e ninguém vai entender nada. Então eu pensei que ainda bem que amanhã era sábado. Eu já comecei a me lembrar que a turma do prédio tinha marcado pólo aquático na piscina. Peguei a minha mochila e saí correndo para não perder o ônibus para casa. Não me lembro se a professora continuou em sala ou não. Eu só me lembro que eu fui o último a sair. O fim de semana me fez esquecer da escola e da primeira semana de aula, o que foi bom. O único detalhe é foi que eu também acabei esquecendo da lição de português. E na segunda de manhã eu tive que fazer tudo correndo quando cheguei na escola, antes de tocar o sinal. Análise sintática já é uma coisa bem complicada quando você tem que fazer o exercício logo depois que a professora acabou de explicar como se faz. Imagina fazer depois das férias de verão quando você mudou da quinta para a sexta série mas nem se lembra como é que passou de ano. Eu peguei o meu caderno e escrevi a minha frase. Eu fiz um golaço tão grande que até furou a rede e estilhaçou, em mil pedaços, a janela do vizinho. Depois eu fui escrevendo o que eu me lembrava que tinha que ter numa análise sintática.
Sujeito: Predicado: Objeto direto: Objeto indireto: Partícula apassivadora:
Isso era tudo o que eu me lembrava. Então eu comecei a escrever do lado de cada coisa dessas uma análise sintática. Pus lá:
Sujeito: O meu vizinho. Que é realmente um sujeito de meter medo apesar de eu achar que ele deve ser legal porque está casado há um tempão com a mulher dele que é bem legal.
Predicado: O meu vizinho de novo. Isso, se a gente colocar no meio dessa palavra a sílaba JU e então a palavra vira prejudicado porque ele foi mesmo o grande prejudicado dessa história. Objeto direto: A bola. Nem precisa explicar por quê.
Objeto indireto: Eu. Porque a janela quebrou em mil pedaços por causa do meu chute mas na verdade foi culpa da rede que furou.
Partícula apassivadora: Essa era a mulher do meu vizinho que apassivou a briga e se você reparar como ela é pequena eu acho que partícula é o que ela é.
Pronto. Acabei a lição e o sinal nem tinha tocado ainda. Fechei o meu caderno. Depois eu abri de novo. Lembrei de mais uma coisa que tinha na análise sintática e escrevi:
Adjunto adverbial: em mil pedaços.
No final da aula de português eu deixei a minha lição na mesa da professora e fui para a minha aula dupla de educação física.
Sete
Na minha aula dupla de português da sexta-feira, a professora me entregou a análise sintática. Eu tirei zero e tive que escrever toda essa história contando tudo isso que aconteceu para você. Ela me disse que você é que ia decidir o que fazer comigo, porque você é o Diretor dessa escola e ela não sabia que atitude tomar. Foi isso.
Assinado Guilherme Pontes Pereira 6a. série B – Manhã
No dia seguinte o Diretor me chamou na sala dele. Ele já tinha lido toda a história que eu escrevi e eu já estava pensando no que eu ia dizer para os meus pais quando ele me expulsasse da escola. Eu ia dizer: - Mãe, pai, fui expulso da escola. Eu entrei na sala do Diretor e me sentei na cadeira bem na frente dele. Quer dizer, na frente mais ou menos, porque era uma daquelas cadeironas que a gente afunda dentro, então o porta-lápis, que ficava na mesa do diretor, tapava a cara dele até o nariz. Mas ele chegou o porta-lápis para o lado e eu consegui olhar para ele bem de frente. E ele disse: - Guilherme, eu fiquei muito impressionado com a história que você escreveu. Você precisa fazer mais redações. Então ele me mandou de volta para a sala de aula. Eu fiquei pensando muito nisso tudo porque no começo eu não estava entendendo nada. Mas depois eu descobri por que escolheram aquele cara para ser o Diretor. Ele é bem inteligente. Fazer mais redações era mesmo um castigo muito pior do que ser expulso da escola.

TEXTO: NÓIS MUDEMO

O ônibus da Transbrasiliana deslizava manso pela Belém-Brasília rumo a Porto Nacional. Era abril, mês das derradeiras chuvas. No céu, uma luazona enorme pra namorado nenhum botar defeito. Sob o luar generoso, o cerrado verdejante era um presépio, todo poesia e misticismo.
Mas minha alma estava profundamente amargurada. O encontro daquela tarde, a visão daquele jovem marcado pelo sofrimento, precocemente envelhecido, a crua recordação de um episódio que parecia tão banal... Tentei dormir. Inútil. Meus olhos percorriam a paisagem enluarada, mas ela nada mais era para mim que o pano de fundo de um drama estúpido e trágico.
As aulas tinham começado numa segunda-feira. Escola de periferia, classes heterogêneas, retardatários. Entre eles, uma criança crescida, quase um rapaz.
- por que você faltou esses dias todos?
-É que nóis mudemo onti, fessora. Nóis veio da fazenda.
Risadinhas da turma.
- Não se diz nóis mudemo", menino! A gente deve dizer: "nós mudamos, tá?
- Tá, fessora!
No recreio, as chacotas dos colegas: "Oi, nóis mudemo!" "Até amanhã, nóis mudemo!" No dia seguinte, a mesma coisa: risadinhas, cochichos, gozações.
-Pai, não vô mais pra escola!
- Oxente! Modi quê? Ouvida a história, o pai coçou a cabeça e disse:
- Meu fio, num deixa a escola por uma bobagem dessa! Não liga pras gozações da meninada! Logo eles esquece.
Não esqueceram.
Na quarta-feira, dei pela falta do menino. Ele não apareceu no resto da semana, nem na segunda-feira seguinte. Ai me dei conta de que eu nem sabia o nome dele. Procurei no diário de classe e soube que se chamava Lucio - Lucio Rodrigues Barbosa. Achei o endereço. Longe, um dos últimos casebres do bairro. Fui lá, uma tarde. O rapazola tinha partido no dia anterior para a casa de um tio, no sul do Pará.
- É, professora, meu fio não agüentou as gozações da meninada. Eu tentei fazê ele continua, mas não teve jeito. Ele tava chateado demais. Bosta de vida! Eu devia di tê ficado na fazenda côa famia. Na cidade nóis nao tem veis. Nóis fala tudo errado.
Inexperiente, confusa, sem saber o que dizer, engoli em seco e me despedi.
O episódio ocorrera há dezessete anos e tinha caído em total esquecimento, ao menos de minha parte.
Uma tarde, num povoado à beira da Belém-Brasília, eu ia pegar o ônibus, quando alguém me chamou. Olhei e vi, acenando para mim, um rapaz pobremente vestido, magro, com aparência doentia.
- O que é moço?
- A senhora não se lembra de mim, fessora?
Olhei para ele, dei tratos à bola. Reconstituí num momento meus longos anos de
sacerdócio, digo, de magistério. Tudo escuro.
- Não me lembro não, moço. Você me conhece? De onde? Foi meu aluno? Como se chama?
Para tantas perguntas, uma resposta lacônica:
- Eu sou "Nóis mudemo", lembra?
Comecei a tremer.
- Sim, moço. Agora lembro. Como era mesmo seu nome?
- Lucio - Lucio Rodrigues Barbosa.
- O que aconteceu com você?
- O que aconteceu? Ah! fessora! É mais fácil dizê o que não aconteceu. Comi o pão que o diabo amasso. E êta diabo bom de padaria! Fui garimpeiro, fui bóia-fria, um "gato" me arrecadou e levou num caminhão pruma fazenda no meio da mata. Lá trabaiei como escravo, passei fome, fui baleado quando consegui fugi. Peguei tudo quanta é doença. Até na cadeia já fui pará. Nóis ignorante às veis fais coisa sem querê fazé. A escola fais uma farta danada. Eu não devia de té saído daquele jeito, fessora, mas não aguentei as gozação da turma. Eu vi logo que nunca ia consegui fala direito. Ainda hoje não sei.
- Meu Deus!
Aquela revelação me virou pelo avesso. Foi demais para mim. Descontrolada, comecei a soluçar convulsivamente. Como eu podia ter sido tão burra e má? E abracei o rapaz, o que restava do rapaz, que me olhava atarantado.
O ônibus buzinou com insistência. O rapaz afastou-se de mim suavemente.
- Chora não, fessora! A senhora não tem curpa.
- Como? Eu não tenho culpa? Deus do céu!
Entrei no ônibus apinhado. Cem olhos eram cem flechas vingadoras apontadas
para mim. O ônibus partiu. Pensei na minha sala de aula. Eu era uma assassina a caminho da guilhotina.
Hoje tenho raiva da gramática. Eu mudo, tu mudas, ele muda, nós mudamos, mudamos, mudaamoos, mudaaamooos... Superusada, mal usada, abusada, ela é uma guilhotina dentro da escola. A gramática faz gato e sapato da língua materna -a língua que a criança aprendeu com seus pais, irmãos e colegas -e se toma o terror dos alunos. Em vez de estimular e fazer crescer, comunicando, ela reprime e oprime, cobrando centenas de regrinhas estúpidas para aquela idade.
E os Lucios da vida, os milhares de Lucios da periferia e do interior, barrados nas salas de aula: "Não é assim que se diz, menino!" Como se o professor quisesse dizer: "Você está errado! Os seus pais estão errados! Seus irmãos e amigos e vizinhos estão errados! A certa sou eu! Imite-me! Copie-me! Fale como eu! Você não seja você! Renegue suas raizes! Diminua-se! Desfigure-se! Fique no seu lugar! Seja uma sombra! E siga desarmado pelo matadouro da vida..."

Patinho feio: do que se trata

Por grande acaso achei na casa de meus pais um livro, lá dos tempos de infância, que contem a história do patinho feio. Não era a história em versão original do Hans Christian Andersen, e sim uma edição brasileira de 1975 levemente modificada.

Na minha concepção, esse tipo de história se trata de passar uma ou duas lições de moral. Ensinamentos e provérbios camuflados que guiam as criancinhas por um caminho virtuoso - e menos traumático talvez. No caso da saga do patinho feio, talvez servisse para entendermos que cada um possui seu lugar no mundo, basta encontrá-lo. Ou ainda que beleza é relativa, não absoluta. Ou ainda questões outras que um antropólogo chato conseguiria esmiuçar.

De todo jeito, o tal livro por mim reencontrado ofereceu um outro viés da história que me faz pensar duas vezes antes de conta-la a qualquer infante, repensando seriamente todo o significado da saga do pato que é cisne.

Nas primeiras linhas a pata-mãe fica toda feliz por ter tido uma ninhada de patinhos, mas ao mesmo tempo fica aflita por ainda ter um ovo no ninho que não quebrou, um ovo grande e esquisito. Quando uma outra pata vai visitá-la para ver os filhotes, a pata-mãe diz:

- Estou perdendo tempo com este ovo que não quer quebrar. Mas olha os outros! Não sao umas gracinhas? Nunca vi patinhos tão lindos e todos a cara do pai, aquele malandro que nem sequer me veio ver.

De duas uma: ou a mulher - sim, é uma autora - que fez essa versão do patinho feio estava muito fula da vida com os homens e descarregou isso na história, ou então os patos são mesmo malandros que saem por aí, fugindo com as galinhas - desculpe, trocadilho irresistível para a ocasião. Mas o diálogo prossegue ainda mais interessante. Aquela pata que foi visitar a pata-mãe diz:

- Espera um pouco. Quero ver esse ovo preguiçoso. Deve ser ovo de perua.(...) É isso mesmo! É um ovo de perua! Acho melhor deixá-lo aí. Anda, vai ensinar as outras crianças a nadar, oras!

O que chamou atenção é que o pato-pai é um malandro por não ter ido ver a pata-mãe, mas ninguém põe em xeque a questão básica aí: como é que uma pata pariu um ovo que não é de pato!? Um exame de DNA para verificar a paternidade seria necessário! E como a história virá a mostrar depois, certamente a pata-mãe conhecia algum cisne - quem sabe uma aventura amorosa na agitada noite da fazenda-, e muito bem conhecido.

Mas a pata-mãe é tão cínica e dissimulada que depois de ficar assustada pelo patinho feio que saiu daquele estranho ovo, ainda assume com todas as letras que realmente aquele filho não era dela e ainda se pergunta se não seria um peru.

- Meu Deus! Que patinho feio! E tão grande!(...)Quero saber se é filho de pato ou de peru...

Ou seja, as aventuras pela calada da noite da fazenda envolviam perus também. Perus! Quanta luxúria no reino animal.

A história vai então seguindo seu rumo conhecido, não sem apresentar algumas alterações da história original que são, no mínimo, curiosas. Mas em linhas gerais, tal como na versão conhecida, o patinho feio vai sendo rejeitado por todos; seus irmãozinhos, seus vizinhos, os outros animais, a tratadora da fazenda que o recebe a chutes, e até a pata-mãe mostra uma certa repulsão por ter um filho tão feio.

Aí então, revoltado, o patinho feio foge. No melhor estilo road movie ele sai por aí conhecendo lugares e animais. Eis que chegamos na parte mais injusta da história - e essa acontece também na versão original de forma similar.

Ele conhece dois gansos. Um deles diz:

- Escute aqui. Você é tão feio que até estou gostando de você. Quer vir com a gente? Na outra campina, que não fica longe, vivem algumas gansas amáveis e bonitas, todas solteiras. É uma boa oportunidade para você encontrar uma namorada, mesmo feio como é.

OK, eles frisaram que o patinho feio era mesmo feio, mas tirando isso, foram parceiros. Traduzindo isso para o mundo dos humanos, seria como aquele amigo que te liga, sábado a noite, te convidando para uma festa e para ir chavecar as meninotas por aí. Parceiragem total. Mas por algum motivo desconhecido o autor da história detestava gansos, bem como acontece nessa versão alterada, pois a história se segue nas linhas abaixo:

"Nesse exata instante, dois tiros se fizeram ouvir e os dois gansos caíram mortos no chão. Era uma caçada."

Pô, o que eles fizeram para morrer? Que morressem aqueles outros animais que sacanearam o patinho feio. Que morresse aquela pata que sugeriu à pata-mãe que abandonasse o patinho feio. Que morressem seus irmãozinhos que o detestavam por não ser loirinho como eles eram - pequenos skinheads do mundo animal. Que morresse a tratadora da fazenda que chutou o patinho feio. Mas não os gansos! Os únicos que estenderam a mão a ele morreram de forma trágica.

Injusto.

Tirando isso o final ainda é feliz, pois o patinho feio encontra os cisnes e descobre ser ele também um cisne; mas sem nenhuma menção aos gansos baladeiros de sábado a noite que o queriam ajudar a pegar umas gansinhas jeitosas. Sacanagem.

Isso não me saiu da cabeça. Assim como não engoli aquele papinho da pata-mãe de 'Ai meu Deus, de onde veio esse ovo estranho?'. Ela sabe, eu sei, e qualquer criança de 8 anos vai sacar que aí tem coisa. Não é a toa que o pato-pai não foi visitá-la.

Mas enfim, se alguém me perguntar do que se trata a história do patinho feio, direi ser uma história de adultério e mortes de animais inocentes, pois é disso que se trata... pobres gansos.