quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Patinho feio: do que se trata

Por grande acaso achei na casa de meus pais um livro, lá dos tempos de infância, que contem a história do patinho feio. Não era a história em versão original do Hans Christian Andersen, e sim uma edição brasileira de 1975 levemente modificada.

Na minha concepção, esse tipo de história se trata de passar uma ou duas lições de moral. Ensinamentos e provérbios camuflados que guiam as criancinhas por um caminho virtuoso - e menos traumático talvez. No caso da saga do patinho feio, talvez servisse para entendermos que cada um possui seu lugar no mundo, basta encontrá-lo. Ou ainda que beleza é relativa, não absoluta. Ou ainda questões outras que um antropólogo chato conseguiria esmiuçar.

De todo jeito, o tal livro por mim reencontrado ofereceu um outro viés da história que me faz pensar duas vezes antes de conta-la a qualquer infante, repensando seriamente todo o significado da saga do pato que é cisne.

Nas primeiras linhas a pata-mãe fica toda feliz por ter tido uma ninhada de patinhos, mas ao mesmo tempo fica aflita por ainda ter um ovo no ninho que não quebrou, um ovo grande e esquisito. Quando uma outra pata vai visitá-la para ver os filhotes, a pata-mãe diz:

- Estou perdendo tempo com este ovo que não quer quebrar. Mas olha os outros! Não sao umas gracinhas? Nunca vi patinhos tão lindos e todos a cara do pai, aquele malandro que nem sequer me veio ver.

De duas uma: ou a mulher - sim, é uma autora - que fez essa versão do patinho feio estava muito fula da vida com os homens e descarregou isso na história, ou então os patos são mesmo malandros que saem por aí, fugindo com as galinhas - desculpe, trocadilho irresistível para a ocasião. Mas o diálogo prossegue ainda mais interessante. Aquela pata que foi visitar a pata-mãe diz:

- Espera um pouco. Quero ver esse ovo preguiçoso. Deve ser ovo de perua.(...) É isso mesmo! É um ovo de perua! Acho melhor deixá-lo aí. Anda, vai ensinar as outras crianças a nadar, oras!

O que chamou atenção é que o pato-pai é um malandro por não ter ido ver a pata-mãe, mas ninguém põe em xeque a questão básica aí: como é que uma pata pariu um ovo que não é de pato!? Um exame de DNA para verificar a paternidade seria necessário! E como a história virá a mostrar depois, certamente a pata-mãe conhecia algum cisne - quem sabe uma aventura amorosa na agitada noite da fazenda-, e muito bem conhecido.

Mas a pata-mãe é tão cínica e dissimulada que depois de ficar assustada pelo patinho feio que saiu daquele estranho ovo, ainda assume com todas as letras que realmente aquele filho não era dela e ainda se pergunta se não seria um peru.

- Meu Deus! Que patinho feio! E tão grande!(...)Quero saber se é filho de pato ou de peru...

Ou seja, as aventuras pela calada da noite da fazenda envolviam perus também. Perus! Quanta luxúria no reino animal.

A história vai então seguindo seu rumo conhecido, não sem apresentar algumas alterações da história original que são, no mínimo, curiosas. Mas em linhas gerais, tal como na versão conhecida, o patinho feio vai sendo rejeitado por todos; seus irmãozinhos, seus vizinhos, os outros animais, a tratadora da fazenda que o recebe a chutes, e até a pata-mãe mostra uma certa repulsão por ter um filho tão feio.

Aí então, revoltado, o patinho feio foge. No melhor estilo road movie ele sai por aí conhecendo lugares e animais. Eis que chegamos na parte mais injusta da história - e essa acontece também na versão original de forma similar.

Ele conhece dois gansos. Um deles diz:

- Escute aqui. Você é tão feio que até estou gostando de você. Quer vir com a gente? Na outra campina, que não fica longe, vivem algumas gansas amáveis e bonitas, todas solteiras. É uma boa oportunidade para você encontrar uma namorada, mesmo feio como é.

OK, eles frisaram que o patinho feio era mesmo feio, mas tirando isso, foram parceiros. Traduzindo isso para o mundo dos humanos, seria como aquele amigo que te liga, sábado a noite, te convidando para uma festa e para ir chavecar as meninotas por aí. Parceiragem total. Mas por algum motivo desconhecido o autor da história detestava gansos, bem como acontece nessa versão alterada, pois a história se segue nas linhas abaixo:

"Nesse exata instante, dois tiros se fizeram ouvir e os dois gansos caíram mortos no chão. Era uma caçada."

Pô, o que eles fizeram para morrer? Que morressem aqueles outros animais que sacanearam o patinho feio. Que morresse aquela pata que sugeriu à pata-mãe que abandonasse o patinho feio. Que morressem seus irmãozinhos que o detestavam por não ser loirinho como eles eram - pequenos skinheads do mundo animal. Que morresse a tratadora da fazenda que chutou o patinho feio. Mas não os gansos! Os únicos que estenderam a mão a ele morreram de forma trágica.

Injusto.

Tirando isso o final ainda é feliz, pois o patinho feio encontra os cisnes e descobre ser ele também um cisne; mas sem nenhuma menção aos gansos baladeiros de sábado a noite que o queriam ajudar a pegar umas gansinhas jeitosas. Sacanagem.

Isso não me saiu da cabeça. Assim como não engoli aquele papinho da pata-mãe de 'Ai meu Deus, de onde veio esse ovo estranho?'. Ela sabe, eu sei, e qualquer criança de 8 anos vai sacar que aí tem coisa. Não é a toa que o pato-pai não foi visitá-la.

Mas enfim, se alguém me perguntar do que se trata a história do patinho feio, direi ser uma história de adultério e mortes de animais inocentes, pois é disso que se trata... pobres gansos.

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